quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Nossos velhos



Pais heróis e mães rainhas do lar.
Passamos boa parte da nossa existência
cultivando estes estereótipos.
Até que um dia
o pai herói começa a passar o tempo todo sentado,
resmunga baixinho e
puxa uns assuntos sem pé nem cabeça.
A rainha do lar
começa a ter dificuldade de concluir as frases
e dá pra implicar com a empregada.
O que papai e mamãe
fizeram para caducar de uma hora para outra?
Fizeram 80 anos.
Nossos pais envelhecem.
Ninguém havia nos preparado pra isso.
Um belo dia eles perdem o garbo,
ficam mais vulneráveis e adquirem umas manias bobas.
Estão cansados de cuidar dos outros e de servir de exemplo: agora chegou a vez
de eles serem cuidados e mimados por nós,
nem que pra isso recorram
a uma chantagenzinha emocional.
Têm muita quilometragem rodada e sabem tudo,
e o que não sabem eles inventam.
Não fazem mais planos a longo prazo,
agora dedicam-se a pequenas aventuras,
como comer escondido tudo o que o médico proibiu.
Estão com manchas na pele.
Ficam tristes de repente.
Mas não estão caducos:
caducos ficam os filhos,
que relutam em aceitar o ciclo da vida.
É complicado aceitar que nossos heróis e rainhas
já não estão no controle da situação.
Estão frágeis e um pouco esquecidos,
têm este direito, mas seguimos exigindo deles a
energia de uma usina.
Não admitimos suas fraquezas, seu desânimo.
Ficamos irritados se eles se atrapalham com o celular
e ainda temos a cara-de-pau de corrigi-los quando usam expressões em desuso:
calça de brim? frege?auto de praça?
Em vez de aceitarmos com serenidade o
fato de que as pessoas adotam um ritmo mais lento
com o passar dos anos,
simplesmente ficamos irritados por eles terem traído
nossa confiança, a confiança de que seriam indestrutíveis como os super-heróis.
Provocamos discussões inúteis
e os enervamos com nossa insistência para que tudo siga
como sempre foi. .
Essa nossa intolerância só pode ser medo.
Medo de perdê-los,
e medo de perdermos a nós mesmos,
medo de também deixarmos de ser lúcidos e joviais.
É uma enrascada essa tal de passagem do tempo.
Nos ensinam a tirar proveito de cada etapa da vida,
mas é difícil aceitar as etapas dos outros,
ainda mais quando os outros são papai e mamãe,
nossos alicerces,
aqueles para quem sempre podíamos voltar,
e que agora estão dando sinais
de que um dia irão partir sem nós.

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Volte Sempre

A imaginação é mais importante que a ciência, porque a ciência é limitada, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro.

Albert Einstein